Cooperativismo que inspira: Mulher chefia cooperativa de produto

Aos sete anos, Maria Cristina da Silva quebrava castanha de caju debaixo de uma árvore no quintal de casa, no povoado de Carrilho, em Sergipe. “Eu era bem pequena. Minha mãe acendia o fogo e assava a castanha, e nós, sete irmãos, quebrávamos a castanha durante o dia e íamos para a escola só durante a noite”, lembra. Suas mãos e as de seus irmãos ficavam manchadas durante dias porque manuseavam as castanhas sem luvas. Com sua queima, elas liberam um óleo característico que gruda na pele e a deixa vermelha.

Agora, aos 40 anos, ela trabalha com o mesmo produto, mas suas mãos não ficam mais manchadas. Maria Cristina da Silva é presidente de uma cooperativa de castanha de caju em Carrilho, com 30 associados. Não há trabalho infantil, e os trabalhadores têm material de proteção. O resultado é uma organização que produz artesanalmente cerca de duas toneladas de castanha prontas para consumo por mês, vendidas para Estados como Sergipe, Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo.

A castanha de caju é um alimento nutritivo consumido em diversos país do mundo, e o Brasil costumava despontar como um dos três maiores exportadores. Em 2017, no entanto, segundo dados da FAO-ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o Brasil ficou em 7º lugar no ranking de exportação. A previsão de produção de castanha de caju para 2019, segundo o IBGE, é de cerca de 134 mil toneladas – e 99% dessa produção vem do Nordeste; a maior parte no Ceará, seguido do Piauí e do Rio Grande do Norte.

O Sergipe também figura na lista – e é ali onde fica Itabaiana, município a 54 km da capital com 95 mil habitantes conhecido como “capital do Agreste”, bem no centro do Estado. Um dos povoados de Itabaiana é Carrilho, onde Maria Cristina da Silva cresceu e onde vivem cerca de mil pessoas. A principal fonte de renda dos habitantes do povoado é o beneficiamento de castanha de caju, como é chamado o trabalhoso processo de tirar a amêndoa da fruta e limpá-la para que chegue ao consumidor final.

“Acredita-se que, depois da abolição da escravidão no Brasil, muitos dos escravos que viviam em Itabaiana tenham se mudado para Carrilho e montado quilombos”, explica Diana Mendonça de Carvalho, doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe e professora da rede municipal de Itabaiana. A comunidade resquício de quilombos, então, sobrevivia principalmente da coleta de frutos, de pequenos animais de criação e da venda de serviços.

Na década de 1970, contudo, “segunda consta a lenda popular, pessoas ligadas a jogos de azar levaram sacos de castanhas para as comunidades de uma viagem que fizeram ao Piauí”, narra Carvalho, “e as famílias fizeram a quebra dessas castanhas”. Desde aquela época, a atividade passou a dominar o povoado de Carrilho.

Em várias regiões em que há o beneficiamento de castanha de caju, no entanto, traz registros de trabalho infantil.

Para o juiz do Trabalho da Paraíba Arnaldo José Duarte do Amaral, que em 2013 visitou uma comunidade no Rio Grande do Norte onde também havia crianças trabalhando na quebra da castanha, tanto o Estado quanto empresas que compram o produto precisam se envolver no combate ao envolvimento de crianças. “É preciso ter uma ação do Estado e da sociedade. Empresas precisam banir o trabalho da criança, exigindo seu afastamento do processo para realizar a compra, e comprar a castanha por um preço justo”, diz.

Maria Cristina da Silva vê o trabalho que realizou quando criança como um jeito de sobreviver. “Era um trabalho familiar. A gente só estava ficando do lado da nossa mãe. Não era com intenção ou por maldade, era por necessidade”, afirma. “Agora isso é visto como escravidão, mas para nós era luta, era sobrevivência.”

Hoje, ela celebra a existência de uma creche na frente da cooperativa. Além disso, as crianças podem ir à escola em dois períodos diferentes. Para Silva, “as famílias têm mais recursos e as crianças estão mais livres para poder aprender mais”.

Ela conta que cresceu trabalhando com a família, mas pôde frequentar escola e faculdade. Formou-se geógrafa pela Universidade Federal de Sergipe depois de casar e ter dois filhos, e isso lhe deixou “mais forte para poder dar conta do projeto”.

“Sonhava em um dia ter uma forma organizada de produzir a castanha, de ter um produto”, diz ela. “A gente via na TV, no supermercado… Sabíamos que a gente estava fazendo a coisa certa, que tínhamos um produto maravilhoso, mas que era necessária toda uma forma de organização do processo.”